domingo, 21 de fevereiro de 2016

Brazil 135+ 2016

Às 8 horas de uma quente manhã de quinta-feira, na montanhosa cidade de São João da Boa Vista, foi dada a largada de mais uma Brazil 135+, tradicional e mais dura ultramaratona brasileira, com atletas de 10 países, preparados para o pior.

Estreante na prova, minha ideia era tentar correr os 253,2 km em 60h, pois o corte era após 62h30min. Ou seja, se eu demorasse mais que isso para cruzar a linha de chegada, eu seria cortado da prova, e meu tempo não seria oficialmente válido. Mas são muitos obstáculos que podem tirar o corredor de uma ultramaratona, como bolhas, hipoglicemia, desidratação, hiponatremia (desequilíbrio de eletrólitos no sangue, podendo causar edema cerebral e até morte), torções e lesões diversas, proteólise (quebra de proteína muscular, resultando em perda de massa magra), fadiga muscular, irritação estomacal, vômitos, diarreia, entre outros. Mas ainda considero a cabeça o nosso pior monstro, o mais implacável e impiedoso (além de único) inimigo real, capaz de acabar com você. Se ela não está bem, todo o resto será comprometido.

Minha equipe de apoio era composta pela Adriana Scaranti, experiente ultramaratonista e grande amiga, e pela minha mulher Bianca Lessa, corredora de montanha casca-grossa, que leva em seu ventre nosso(a) filho(a). Essas grandes mulheres me ajudaram muito antes, durante e depois da prova. Quando as encontrava nos pontos combinados, eu tinha massagem, comida quente, meias secas, pomadas para os pés.

O fato de eu ser vegetariano não atrapalha em absolutamente nada meu rendimento, e consigo obter todos os nutrientes que preciso sem precisar assassinar nenhum ser senciente. Minha principal fonte de alimentação vem da comida: macarrão, arroz com grão de bico e amêndoas, bolo de tapioca, rapadura, batata, inhame, beterraba, frutas. Também levei mel, géis de carboidrato, energy balls (uma bola compacta que fazemos com grãos), e doses de whey protein para intervalos de tempo regulares. Para hidratação, isotônicos em pó, cápsulas de sal, e principalmente soro em pó.

Mas a minha maior motivação foi a campanha que fizemos para arrecadar doações para o Cantinho do Céu, um hospital de Ribeirão Preto que cuida de crianças com paralisia cerebral. Eu me lembrei disso durante todo o Caminho, mentalizando as crianças e o quanto podíamos ajudá-las com ações simples. Este se tornou o maior objetivo da corrida para mim, pois não me faz mais sentido correr longas distâncias apenas para satisfazer meu ego. 

No primeiro trecho, entre São João da Boa Vista e Águas da Prata, cruzei o paratleta norte-americano Andre Kajlich, em sua cadeira de rodas. O que vi me deu forças para toda a prova: uma subida íngreme onde Kajlich segurava no braço as rodas de sua cadeira, alternando com empurradas homeopáticas para continuar progredindo. Dois atletas apoio dele ficavam na retaguarda, sem tocá-lo, apenas de prontidão atrás da cadeira, para evitar que ele perca o controle e a cadeira desça a rampa de ré. Menos de um minuto depois que o cruzei, atravessamos pela lateral uma cerca fechada, e entremos em um singletrack (trilha única, parecida com um caminho de vaca), ligeiramente técnica. Durante toda a trilha, eu não parava de me perguntar como seria a progressão de Kajlich e sua cadeira por este trecho.

Passei duas noites especiais no Caminho, onde mal usei minha lanterna de cabeça. A irradiante lua cheia iluminava todo o caminho, cobrindo com sua luz branca as montanhas da Serra da Mantiqueira. Fiquei longos períodos sem encontrar ninguém, em uma espécie de retiro espiritual, apenas com a companhia de gambás e cães de fazendas.

E a prova só piorava a cada trecho, cada quilometro. Subidas cada vez mais frequentes e íngremes à medida que o cansaço e sono batiam. Mas a sintonia com minha equipe de apoio era cada vez mais afiada, e nos comunicávamos muito. Elas pareciam saber exatamente o que eu precisava a cada trecho que nos encontrávamos, qual tipo de comida ou bebida eu gostaria/conseguiria ingerir naquele momento, que horas eu gostaria de dormir. E por falar em dormir, isso fiz bastante, em basicamente duas paradas longas: a primeira, quando dormi 1h (em Borda da Mata), e a segunda, 1h30 (em Paraisópolis), ambas em meu aconchegante saco de dormir. Todo este tempo foi muito revigorante para mim, pois quando atleta de corrida de aventura (esporte composto de três modalidades, onde os atletas passam dias correndo, remando em caiaques e pedalando, em percursos não demarcados, utilizando como orientação mapas cartográficos), eu costumava dormir entre 20 e 30 minutos em cada soneca.

Pequena parada para o almoço!

Às 10h04 da manhã de sábado me despedi da minha equipe de apoio, em direção ao último trecho da prova, a tão temida Serra da Luminosa. Saí bem alimentado e hidratado, e feliz de ter conseguido chegar bem até ali, sem bolhas, sem lesões. Lembrei de tudo o que passei até então, da dedicação das meninas que me davam o último "boa sorte", do paratleta Andre Kajlich, das crianças-anjos do Cantinho do Céu. Na última olhada para a barriga linda da minha mulher, lembrei que homem também chora. Fui.

Não sei de onde veio aquela força, que fez com que esse fosse meu mais rápido e intenso trecho (em 2h25min), com força total, e em grande e surpreendente velocidade. Me sentia assustadoramente bem, mesmo com o forte calor, e depois de já ter corrido 236 km até a minúscula Luminosa, último ponto de parada, e que à medida em que eu subia a Serra ficava menor, e menor, e menor. Talvez a intensidade natural do percurso, com suas araucárias, cachoeiras, vales e montanhas, tenha contribuído. Concluí a prova às 12h29 de sábado, com muita emoção ao lado da minha equipe.

Na Brazil 135+, tudo é amplificado: distâncias, subidas, temperaturas, sensações, dores, cansaço, emoções, união. Aproxima as pessoas, os atletas, as equipes de apoio, e todos os que passam pelo Caminho. Aliás, é o Caminho da Fé, sagrado por si só.

Terminei com o tempo de 52h29min (10 horas antes do tempo limite) e em 13º geral na categoria solo. Mas discordo do nome dessa categoria, pois é uma prova em equipe: a equipe de apoio é fundamental para o bem estar dos atletas. Eles também tem que lidar com a privação do sono, com o cansaço físico e mental, e se manterem firmes para tomadas de decisão e estratégias. O atleta não faz nada demais, só corre; a equipe de apoio praticamente o coloca na linha de chegada.

Equipe de apoio

Observação: dos 68 inscritos na categoria 260 km, apenas 22 chegaram até o final da prova.

Gostaria de agradecer algumas pessoas, pois sem elas eu não teria nem ao menos conseguido largar: minha equipe Bia e Dri, meu amigo Vitor Rage, meu treinador Rodrigo Inouye, meu primo-irmão Fredy Guerra, meu professor de yoga André Brochieri, Dani Gil, Xande Vianna, Naiara Faria Xavier e Fernanda Crysostomo (vocês são demais!), aos atletas e brothers Filipe Oliveira e Messias (e TODA sua equipe de apoio), e a meu pai, Jose Miguel. Todos tiveram uma contribuição crucial, da qual me lembrarei e agradecerei por toda minha vida.

Obrigado também a todos meus apoios e parceiros:

Rocky Truck - Outdoor Healthy Food (Patrocinador Oficial)
Kailash Brasil
Top Diet
Drogalíder

E especialmente, a todas as pessoas que fizeram doações ao Cantinho Do Céu! 




domingo, 26 de julho de 2015

Por Dentro da Engrenagem

A FAO (Food and Agriculture Organization) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) são sempre categóricos em solicitar a redução do consumo alimentar de produtos de origem animal.

Quem são esses chatos mesmo? Nunca nem ouvi falar. Meu BigMac tá garantido e ninguém tasca. Essa tal de OMS não-sei-das-quantas disse que a pecuária é a principal causa do desmatamento de florestas, e que 70% da Floresta Amazônica foi devastada devido ao avanço da pecuária. Foda-se a Amazônia, por mim que depenem tudo por lá. Aqui na cidade não preciso de floresta nenhuma. Meu salário cai todo mês na minha conta, com ou sem florestas.

Disse também que a flatulência do gado emite gás metano, que é quatro vezes mais nocivo à camada de ozônio que o próprio CO2, emitido pelos carros, o que contribui diretamente para o aquecimento global. Mas eu tenho ar condicionado em casa. Sou demais.

Além de ter sido a principal causa de destruição do cerrados (aquelas matas feias, com árvores tortas e cheias de perigosos lobos-guará), entre outros biomas, a pecuária é a atividade humana que mais contamina mananciais de água e desertifica solos. Mas quem se importa com a natureza? E com a água? Na minha geração vai ter água suficiente para encher e esvaziar a piscina do condomínio quantas vezes eu quiser. Meus filhos ou netos podem sofrer com isso no futuro, mas eu não. Problema deles. Por outro lado, até eles crescerem, alguém já pensou numa solução. 

Algum ativista vegetariano de merda outro dia comentou que os interesses financeiros da indústria da carne sobrepõe todos os outros interesses. Comerciais caríssimos financiados por grandes frigoríficos, apresentados por pessoas bem conhecidas pela grande massa (como atores de novelas e cantores) são exibidos em horário nobre, quando a audiência é maior. Mas estão certíssimos, o ator contratado ganha muito bem por participar do comercial, a televisão lucra uma nota por vender o comercial por grandes cifras, e principalmente, os donos dos frigoríficos ficam cada vez mais ricos! O mundo é dos espertos, meu chapa!

E quem se importa com a crueldade animal? Cada uma, viu...  As vacas nasceram para isso, para crescerem em cativeiro, dar leite e morrerem pra gente comê-las! Não pensam, não sentem dor, nem medo. Fodam-se todas as vacas. São seres inferiores a nós! Meu bifinho suculento está aqui no meu prato, cheio de gordura e pingando sangue, pra satisfazer meu prazer momentâneo enquanto vejo a novela das nove. Aliás, a novela tá demais, deve acabar essa semana, não posso perder.

Cadeia alimentar, o mais forte come o mais fraco. Era assim desde a época do tiranossauro, o dinossauro que mandava na bagaça.

Sem falar o quanto são chatos esse vegetarianos e veganos por aí. Parecem padres, pastores pregando uma religião. E o pior de tudo é que são defendidos por médicos, nutricionistas, nutrólogos, cientistas, que insistem em afirmar que não precisamos de carne pra viver! Claro que precisamos! Meu vizinho, um ótimo vereador, disse que o ser humano é carnívoro por natureza. Olha, esse cara sabe das coisas. Se não soubesse, não teria esse carrão importado que ele tem hoje, essa casa enorme, e todos esses relógios, que devem ter sido comprados com muito estudo e suor. Só come baby beef. Quero ser igual ele.

E esses atletas veganos? Ora, todos sabem que não dá pra fazer esporte sem carne, né? Pelo que ouvi falar, eles precisam de proteínas. Ou seja, se a única fonte de proteína que existe é a carne, então todos devem tomar bombas. Mas esporte é para otários, te faz suar e sofrer a troco de nada. No fim, vamos todos morrer mesmo! Idiotas...

E olha o que um médico falou:

"Precisamos, de forma urgente, modificar o rumo do que estamos fazendo com os animais, nossa saúde e nosso meio-ambiente. O vegetarianismo é uma forma ativa de transformação."

Dr. Eric Slywitch, Mestre em Nutrição, Especialista em Nutrologia, Diretor do Departamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB)



Depois dessa, vou é ver minha novela, que ganho mais.

Fonte: Revista Tryna, online e gratuita (http://issuu.com/revistatryna/docs/tryna_revista_010115?e=0/10795687)


[Nota do Autor]: texto satírico, que tem como propósito incentivar o fim da crueldade animal através da conscientização em massa, propagação de informação e conhecimento. Os personagens são fictícios, porém ainda existem pessoas que pensam assim, infelizmente.


Tiranossauro Rex



terça-feira, 28 de abril de 2015

4ª Etapa do Circuito Paulista de Corridas de Montanha - Ubatuba, SP

No dia 25 de abril de 2015, participei da 4ª etapa do Circuito Paulista de Corridas de Montanha, que aconteceu em Ubatuba (SP), onde fui vice campeão na categoria 0 a 39 anos, e 6º lugar geral. Dividi o pódio com os atletas Leandro Fernandes de Carvalho (3º lugar), e o meu grande amigo Vitor Rage (campeão).

O percurso teve um total de 56 km (Endurance), com trechos bem técnicos e íngremes, e também bastante escorregadios, devido às chuvas que aconteceram antes e durante a prova. Cravei meu tempo em 6h50min00.

O nível dos participantes estava alto, principalmente por ser uma competição historicamente dura e muito procurada pelos atletas de ponta do Brasil.

De quebra, minha namorada Bianca Lessa estava fazendo a primeira prova de sua vida, na modalidade Longo (aproximadamente 16 km), e por incrível que pareça, ela venceu a prova na categoria 25 a 29 anos, e ainda obteve um 5º lugar geral feminino. Isso porque ela corre há apenas quatro meses (desde dezembro de 2014), mas já possui grande habilidade em trechos técnicos, subidas e descidas, o que não faltou na prova. Ela terminou a prova com 1h58min15.

Para mim, esta prova foi parte da preparação para para a Massanutten Mountain Trail, prova de 100 milhas (ou 160 km) que acontecerá nas montanhas da Virginia (USA) nos dias 16 e 17 de maio de 2015.

Bianca Lessa no Pódio
Bianca Lessa vencendo sua primeira prova
Podio do Endurance 50 (categoria 0 a 39 anos)
Pódio do Endurance (categoria 0 a 39 anos)

Obrigado à Cia Athletica Ribeirão Preto pelo apoio, e à Fun Sports, responsáveis pela minha preparação física.

Site oficial com os resultados do evento: www.corridasdemontanha.com.br/beta/resultados-ubatuba-2015




sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Half Mision Brasil 2014: Matéria no blog Corra da Rotina

Publico aqui uma matéria (muito bem) escrita por uma grande amiga, Andrea Berzotti, e publicada em seu blog na Revide, sobre uma prova de Ultra Trail (ultramaratona de montanha), da qual participei.

Segue abaixo a matéria.


80 km já não é para qualquer um: com dificuldades extremas, fica pior

Postado em 12 de Agosto de 2014 às 15:08 na categoria Corrida
O atleta de Ribeirão Preto, Leonardo Guerra, acaba de chegar de mais uma ultra aventura. Neste final de semana, o coordenador de suporte tecnológico em Ribeirão Preto e atleta de aventura (com váaaaarias corridas de aventuras no curriculum), participou da prova Half Mision – uma ultramaratona que aconteceu na Serra Fina, em Passa Quatro (MG). A serra é uma das cadeias de montanhas da Serra da Mantiqueira com alturas que chegam até 2.800 metros de altitude.  Esta prova de 80 km aconteceu neste último final de semana, nos dias 9 e 10 de agosto. É também conhecida como umas das corridas de montanha mais difíceis e de superação que teve duas distâncias: 40 e 80 km. Além de Léo Guerra, participaram também desta prova os atletas de Ribeirão Preto Lucas Hasimoto, Filipe Oliveira, Patrícia Daniela, Silvio Diniz; e atleta Marcia Mendes, de Franca (SP).
Durante a prova, os competidores a subiram por uma estrada de terra sentido ao Refúgio Serra Fina, a 1.500 metros de altitude, passando por vários pontos da Serra Fina. Léo Guerra, mineirinho “gente boa” de Araxá, concluiu a prova em 20h07, com 4.000 metros de desnível positivo. O resultado? Chegou feliz da vida. “A prova foi fantástica e extremamente dura”. Segundo ele, os percursos eram cheios de desnível, o que ficou impossível correr durante toda a prova. “Muitos trechos tinham cordas para acessar o topo, onde foi preciso escalaminhar".
Leo Guerra
Leo Guerra

A prova passou pela Pedra da Mina, na Serra da Mantiqueira, que está na divisa do Estado de São Paulo com Minas Gerais e é a quinta mais alta do Brasil. Lá, a temperatura mínima chegou a -1ºC na madrugada, durante a prova. “Corremos pelas cristas das serras e acima das nuvens”, lembra Leo Guerra.

A corrida é considerada assustadora por grande parte de esportistas que amam esse tipo de aventura. Não pelas distâncias, mas principalmente pelo grau de dificuldade que ela traz, como a altimetria, temperatura baixas, muitas – mas muitas mesmo – subidas e descidas, além de forte terreno acidentado com pedras, galhos de árvores e buracos. Extremamente difícil e desafiadora. É o tipo de prova que leva o atleta ao seu limite máximo do corpo, mente e cansaço.




EQUIPE DE APOIO
Em algumas provas deste tipo, os atletas necessitam de apoio externo. No entanto, por essa competição ter um caráter um pouco mais rígido, o apoio era proibido – o que deixou a competição mais difícil e dura. Com isso, os atletas foram obrigados a carregar sua própria água, alimentação, roupas de frio e equipamentos de primeiros socorros (itens obrigatórios) durante todo o percurso. Conclusão: além de correr por mais de 20 horas os 80 km, o desafio ainda era manter o preparo físico, ou seja, a auta-suficiência. Um grau a mais de dificuldade!

Segundo o atleta, devido a este alto nível de exigências físicas e técnicas, muitos competidores desistiram. Dos 127 atletas que largaram na categoria 80 km, 50 abandonaram a prova, o que significa 39,37% de desistência.
Leo Guerra durante uma de suas provas de Trail Run
Leo Guerra durante uma de suas provas de Trail Run

Ciclista desde 1989, Leo Guerra já passou pelo BMX, ciclismo de estrada e mountain bike. Ingressou como atleta de corrida de aventura em 2004, como integrante da equipe ARS. Já participou de várias provas de Ultramaratonas e Trail Run (corrida em montanha), entre elas North Face Endurance Challenge 2011 (50 km) – New York / USA – (12º lugar);  Green Race 2011 e 2012 (50 km) - Jundiaí / SP (4º lugar); 100K Franca-Rifaina 2012/2013 e 2014 (100 km) - Franca / SP (1º lugar); North Face Endurance Challenge 2013 (21 km) – New York / USA – (9º lugar).





Andrea Berzotti é jornalista, tem uma assessoria de imprensa com mais dois sócios (Verbo Nostro), é professora universitária e tem um blog na Revista Revide (Corra da Rotina). Faz corrida de aventuras, corrida de rua e em breve, maratonas.


terça-feira, 22 de abril de 2014

Camiño Salkantay / Peru (2014)

Cusco, Peru. Acordo no hostel um pouco antes do despertador, que estava marcado para 4h da manhã, e cuidadoso para não acordar meus colegas de quarto. Em alguns minutos depois, e em uma temperatura agradável, caminho sonolento com uma mochila de 15 kg, rumo à van que me levará ao distrito de Mollepata. Lá se inicia o remoto Caminho Salkantay, utilizado pelos incas para ir a pé de Cusco a Machu Picchu. É uma rota alternativa ao tradicional e famigerado Caminho Inca, entre outras trilhas que levam à cidade perdida inca. O nome se deve ao Monte Nevado Salkantay, uma montanha da Cordilheira dos Andes cujo cume atinge 6.271 m em relação ao nível do mar.

As temperaturas nesta trilha variam entre -5ºC a 26ºC, e o relevo contempla altitudes suportáveis entre 1.800 m e 4.650 m. Uma região com o predomínio de montes nevados e vigorosas matas fechadas, terras áridas, pedregosas e muitos vales férteis com rios e cachoeiras.

Em Cusco (405.842 habitantes, de acordo com o senso de 2012) há muitas agências que organizam toda a estrutura para este trekking, disponibilizando guias, carregadores de tralhas (alguns com cavalos), e refeições durante todos os dias de travessia, que pode de 4 até 7 dias, dependendo do nível de condicionamento físico do grupo. A minha meta é fazer o mesmo caminho sem guia e sozinho, auto-suficiente quanto a comidas e equipamentos, e orientando-me apenas com um mapa topográfico e bússola (sem auxílio de aparelhos eletrônicos, como GPS). E em fevereiro, período que chove praticamente o tempo todo na região. E... em apenas três dias!

Mas não estava nos meus planos aterrissar em Lima somente com minha mala de mão e a roupa do corpo, pois a minha mochila, despachada no Brasil e contendo todos os meus equipamentos para trekking em alta montanha, havia sido extraviada pela companhia aérea. Após dois dias de tentativas frustradas tentando recuperar a bagagem, me dei por vencido e peguei o voo para Cusco, capital do Império Inca. A minha travessia começa aqui, na luta para encontrar os equipamentos que agora me faltam, os quais não são facilmente encontrados em qualquer esquina.

Alguns dias depois, e com (quase) todos os equipamentos já em mãos, aguardo dormindo acordado na van, para as duas horas de estrada até o início da trilha.      


1º dia: de Mollepata a Huayrac Machay / Tempo total: 8h58 (29/01/2014)
Curvas estonteantes e precipícios vertiginosos na serra sentido Mollepata me fazem sentir uma leve admiração pela destreza e habilidade do motorista da van, que dirige em alta velocidade nas curvas, mesmo com a densa neblina. Mas era um tanto que desconfortável todas as (muitas) vezes em que a van beijava a beira do precipício, e dava - ou nem dava - pra ver o fundo do abismo.

Chego em Mollepata (2.830 m de altitude) às 7h56, e atravesso "para cima" o pequeno e pobre vilarejo até a entrada da trilha, com uma pequena parada para comprar alguns pães doces peruanos. As pessoas que aqui moram são simpáticas, e sempre dispostas a dar informações. Tempo ainda encoberto por forte neblina, comprometendo a visibilidade. Entro na trilha às 08h13, com boas condições climáticas, e alguma cerração.

Em um ritmo rápido, passo caminhando por um casal com uma pequena criança subindo a trilha, no mesmo sentido que eu, e me cumprimentam alegremente. Uma subida sinuosa, com muitas curvas e cotovelos para facilitar a escalada da cordilheira. Durante algumas vezes, os encontro novamente, pois eles conhecem atalhos que transpõem as curvas, e de repente aparecem na minha frente. Divertidos, tiram onda na minha cara, e todos rimos muito da minha burrice. Daqui até o ponto mais alto do primeiro dia é uma grande subida, e logo no começo já sinto os efeitos da altitude. Paro para pegar algumas folhas de coca na mochila, e tirar a parte debaixo da minha única calça, comprada em uma loja de equipamentos de aventura barata de Cusco. Alívio na sensação térmica e também na visibilidade, pois o tempo está limpando, o que favorece a orientação com o bom mapa que comprei em uma livraria, também em Cusco.

Chego a Cruzpata, onde no mapa indica um ponto de descanso. Aqui já percorri 8 km, e são 9h40 da manhã. Só há um convidativo quiosque vazio e um mirante para o vale, mas resolvo não parar.

Durante a subida, ao mesmo tempo que a - até então larga - trilha se afunila, a chuva começa a cair forte, lavando a alma, os tênis, a mochila, o menino. Estou na beira de uma fenda abissal, e avisto uma casinha junto à uma cabana, poucos metros acima. Em uma rápida parada para pegar a capa de chuva, sob o abrigo da cabana, que até então eu imaginava ser habitada apenas por galinhas, ouço um choro de criança. E eis que surge uma pequena família: a mãe e suas duas crianças bem pequenas. Cumprimento, explico minhas intenções, pergunto por informações, peço para tirar uma foto deles. Quando mostro a câmera, Marta, a mãe tímida, correu para dentro da casa, cobrindo o rosto. Mas as crianças não se intimidam com a lente. Como pode uma família viver em uma casa tão erma?


Pouco mais tarde, ao atingir uma altitude de 3.830 m, avisto os primeiros sinais de neve em um monte em frente. Progredindo bem, raciocínio e atenção perfeitos.

Às 12h12, e após 4h04 caminhando, alcanço Soraypampa (3.880 m de altitude), um vale usado como acampamento pelas expedições guiadas, nos arredores do monte nevado Humantay (5.317 m); vale que é conhecido pelas expedições como o "Primeiro Acampamento". Mas não para mim. Há um minúsculo bar em uma fazenda, onde não existem geladeiras, mas encontro alguns Gatorades à venda, por 10 soles cada! Tudo "ao tiempo", ou seja, à temperatura ambiente. 


O Nevado Humantay é imponente, sólido, mas amigável. Há neve a partir de uma certa altura apenas. O clima de alta-montanha se intensifica: vida humana cada vez mais escassa, ar rarefeito, temperaturas caindo, neve de alguns dias atrás. Fantástico.

Após deixar Soraypampa, a trilha começa a ficar cada vez mais íngreme. A chuva aumenta, a temperatura cai. Coloco mais roupas sob a capa, e sigo para o alto. As pedras na trilha estão, a cada passo, a cada metro, em maior sintonia comigo. Minha mochila, fabricada em Cusco e relativamente pesada no início, já é parte do meu corpo. São 13h38, e eu estou a 4.170m de altitude, quando olho em direção noroeste, e avisto algo incrível. Uma montanha branca, completamente coberta de neve até a base. Imponente, selvagem, e autoritária. Experiente mas hostil, para quem a subestima. Bastava um giro de 360º para ver que é a mãe de todas as outras montanhas da região. Checo o mapa para ter certeza de onde acho que estou, e estou certo. Salkantay.

Chorei. 

Continuo subindo por um vale entre os montes nevados, subindo por trilhas pedregosas, e atravessando rios gelados. As nuvens ora cobrem Salkantay, ora me deixam contemplar seu cume. Encontro um acampamento bem estruturado, onde cinco ou seis guias e carregadores estão terminando de limpar a "cozinha" para então levantar o acampamento de um casal gay inglês. Um dos ingleses, com várias camadas de roupas para o frio, me diz em uma mistura de inglês com português: "Crazy guy! Não sente frio? Está apenas de shorts! It's freezing!". O bom português se deve às várias visitas ao Brasil para visitar a irmã, que mora em São Paulo. Não sinto frio pois estou em constante movimento, e isso me ajuda a pensar com clareza e continuar concentrado no mapa. Mas nem tentei me explicar.

Vou esperar chegar mais perto do Nevado Salkantay para ter uma melhor visibilidade e tirar algumas fotos. Mas a câmera não saiu mais do saco de estanque, uma vez que a chuva só ia parar no outro dia.

A chuva aumenta, e o caminho começa a ficar cada vez mais duro, o que indica que estou em uma parte crítica, e talvez a mais difícil deste dia: El Paso. Compreende uma trilha íngreme, na beira de um precipício magnífico, onde preciso "escalaminhar" um longo e lento trecho. A navegação aqui é complicada, pois há um emaranhado de trilhas, e não há visibilidade. O trecho compreende um fabuloso desfiladeiro entre grandes montanhas. Densa neblina, o que estabelece de uma vez por todas o clima de alta montanha. Ou seriam nuvens? Espero que não seja um sonho.

Algumas horas depois, e ainda na subida, checo meu altímetro: 4.650 metros. Estou no trecho mais alto do trekking, aos pés do Nevado Salkantay! Com temperatura de 0º C, a sensação térmica me preocupa um pouco, porque meu corpo treme involuntariamente. Estranho, pois ainda em vigoroso movimento, e com as extremidades bem protegidas. Cabeça e mãos abrigados, mas... Mãos? Primeiro (e talvez único) erro detectado: eu não usava luvas a prova d'água.

Quando minha mochila foi extraviada, tive que comprar novamente muitos equipamentos em Cusco, e alugar outros. Luvas impermeáveis são caras, e não teriam tanta utilidade no Brasil, por causa das altas temperaturas. Eu tentei economizar comprando luvas peruanas de crochê (5 soles), ao invés de comprar o equipamento correto, à prova d'água. Imaginei que iria achar minha mala de um jeito ou de outro, e não fazia sentido eu ficar com dois pares dessas luvas, pois as uso raramente. Ledo engano.

Retiro a luva para checar os dedos que já estão dormentes há algumas horas, e para minha surpresa, as pontas de todos estão roxas, de um tom próximo ao negro. O meu raciocínio já não está mais tão claro, e eu sinto uma leve confusão mental, provavelmente causada pela altitude somada ao frio extremo. Preciso pensar serenamente.

Paro para tirar todas as comidas para as próximas duas horas da mochila, e as coloco em algum lugar de fácil acesso, de forma que eu não precise parar mais. Olho para cima, e vejo pela última vez o topo do Salkantay. A neve reflete a luz do sol. Agradeço a Deus por estar ali, agradeço a montanha por me receber em sua base, e em sinal de respeito, me curvo. Sei que será a última vez que a verei de tão perto nesta viagem. Ou para sempre.

Tudo pronto, desço correndo e sem olhar para trás, com o objetivo de me aquecer, e chegar em algum lugar seguro para montar minha barraca. Quase trombo em uma placa que surgiu no meio das brumas, informando a altitude: 4.650 m. Desvio, e continuo a descer a trilha, onde todas as suas pedras são soltas. Trail run!

Por volta de duas horas mais tarde, ao passar por um lodge no meio do nada, encontro uma espécie de "garagem", onde monto minha barraca e me estabeleço. Às 17h23, mesmo depois de arrancar toda minha roupa molhada e me enfiar nu dentro do saco de dormir alugado, não consigo parar de tremer. Abro meu kit de primeiros socorros para pegar meu cobertor de emergência, que nada mais é que um lençol de alumínio usado para aquecimento corporal. Em aproximadamente 5 min após me enrolar no cobertor de emergência e voltar para o saco de dormir, os tremores cessam, e consigo dormir, cansado. Home sweet home. Boa noite!


2º dia: de Huayrac Machay a Santa Teresa / Tempo total: 8h24 (30/01/2014)
Por volta de 6h30 eu já estou de pé e prestes a levantar acampamento, faminto por um café da manhã que vou dividir com um novo amigo peludo de raça indefinida. Acordei várias vezes na madruga para ir ao congelante banheiro ao ar livre e comer, e voltei rapidamente a dormir. Foi uma ótima e regenerativa noite de sono, a 3.915 m de altitude.

Acordo muito bem física, mental e espiritualmente, e perco muitos minutos contemplando a paisagem. Estou na base de grandes montanhas, onde as nuvens vão se deslocando lentamente para que eu possa ver a beleza do lugar. Não queria ir embora, apenas morar ali por alguns dias. Há uma gruta um pouco abaixo de onde acampei, e ao redor, uma pampa, de pasto verde reluzente. Nas bases das montanhas, florestas verdes, saudáveis, intocadas. Reflito sobre minha economia com as luvas, que por pouco não me custou muito caro - talvez minha vida.


Penduro minhas roupas molhadas do lado de fora da mochila, e às 7h37 começo a descer. Com o tempo limpando, despenco montanha abaixo! À medida que vou descendo, a paisagem muda, onde os vales, antes cercados por montanhas nevadas, agora dão lugar à Floresta Amazônica, repleta de cachoeiras por todos os lados, densas matas, rios com fortes correntezas e sítios arqueológicos. Muita lama pelo caminho, decorrente da chuva de ontem. Tento contar quantas cachoeiras eu vejo na montanha paralela à trilha que sigo, à minha direita, mas perco a conta muitas vezes, e desisto. Incrível a quantidade de água proveniente desta montanha que chora, cujas lágrimas alimentam as correntezas do rio que segue paralelo a mim.


Às 9h52, e com aproximadamente 2h15 de trekking até agora, alcanço Chaullay, um outro vilarejo usado como acampamento por quem aqui caminha. Compro um Gatorade na vendinha do vilarejo, como algo, sigo viagem. Atravesso uma ponte em cima do Rio Santa Teresa, e mudo completamente o azimute (em outras palavras, o rumo) da minha trilha, onde a partir de agora tenho que seguir quase totalmente para norte. 

Me dou conta que estou indo para a direção certa, porém preciso atravessar para uma trilha que está do lado esquerdo do intransponível rio Santa Teresa, e daqui de cima da montanha não vejo pontes. Porém, ao encontrar duas crianças pelo caminho, peço informações sobre como transpor o rio, e elas me chamam para segui-las até uma espécie de tirolesa. São duas menininhas tímidas e de poucas palavras, que trabalham provavelmente na agricultura, carregando sacos de folhas e raízes, e acompanhadas de um cão. Atravessamos o rio um de cada vez neste carrinho suspenso. Primeiro uma das crianças, depois eu, depois a outra, com seu cão. Cair no rio seria fatal, pois as correntezas são assustadoras. O balançar do carrinho parece perigoso. Mas depois que vejo a naturalidade das crianças ao se equilibrarem ao mesmo tempo que recolhem a corda para tracionar a estrutura metálica, deixo a tensão de lado. Fiquei pensando se algum canoísta extremo já se aventurou por essas corredeiras alguma vez. Seria possível?


Já do outro lado do rio, e depois de agradece-las e me despedir, sigo trotando para outro vilarejo, La Playa, pouco maior que os outros que passei até então. La Playa, além de ser outro ponto de pernoite para muitos, também costuma ser o ponto final da travessia para algumas pessoas, que preferem seguir daqui até Machu Picchu de van, serviço incluso em muitos pacotes das agências. Paro rapidamente para comer e conversar com um guia, que me garantiu que eu não conseguiria chegar hoje à Santa Teresa, a menos que eu pedisse carona pelo caminho. Mas a teimosia típica dos taurinos ativou novamente o senso desafiador, e parti em um trote tentando ganhar tempo.

8h24 depois que saí do meu último local de pernoite, consigo chegar ao destino do segundo dia: Santa Teresa. Uma cidadela estrategicamente posicionada na junção de três rios importantes para a região, pois formam a hidrelétrica. Lembrei do guia que me disse que eu não iria conseguir chegar hoje, e ri por dentro. Não dele, mas de alegria.

Pouco mais tarde, e depois de jantar pela segunda vez, volto para a hospedaria na qual aluguei um quartinho, com cama e chuveiro quente. Quanta mordomia! Na mesma hospedaria há outros três grupos de pessoas acampadas, que estão fazendo a mesma trilha que eu. São grupos de diversos países diferentes, que estão já há vários dias caminhando, com ajuda dos carregadores e de vans. As vans são utilizadas para transportar as bagagens de todos, e também transportar o próprio grupo em trechos mais difíceis e exigentes fisicamente, nos poucos trechos de acesso a veículos motorizados.

Chegando na hospedaria, vejo uma fogueira na porta do meu quarto, música, e todas as pessoas reunidas. Conheci e conversei praticamente com todas as pessoas dos grupos, cada qual com sua distinta procedência. Finlândia, Estados Unidos, Canadá, Suécia, Chile, Brasil, entre outros que não lembro. Noite feliz, de muitos novos amigos e cervejas peruanas!


3º dia: de Santa Teresa a Águas Calientes / Tempo total: 3h22 (31/01/2014)
Me dei o luxo de acordar um pouco mais tarde hoje, quase oito da manhã. Fiz isso baseado nas informações da minha carta topográfica, que me dizia claramente que o último trecho seria mais curto, e sem subidas íngremes ou muito longas. Eu costumo acreditar nesses mapas. O caminho segue margeando as fortes corredeiras do Rio Urubamba, afluente do Rio Ucayali (que mais abaixo recebe o nome de Rio Amazonas, e segue para o Brasil).
Os outros grupos que passaram a noite no mesmo camping que eu já partiram há algum tempo para o trekking final até Água Calientes.

Saio da cidade e sigo pela estrada em sentido leste, rumo à hidrelétrica. O visual é deslumbrante, pois algumas cachoeiras brotam das montanhas no decorrer do caminho. A estrada cruza o rio Urubamba constantemente, através de largas pontes. São estradas de serviço, populadas pelos funcionários da hidrelétrica, e por muitas vans carregando turistas para Machu Picchu. Não vejo ninguém a pé por este trecho, apenas eu. 




Ao chegar na hidrelétrica, após assinar o livro de identificação na entrada, o caminho passa a seguir trilhos de trem, repletos de turistas. Estes, costumam vir até aqui de ônibus ou vans, e daqui até Machu Picchu seguem caminhando. Neste trecho há um grande trânsito de turistas, indo e voltando para Águas Calientes e Machu Picchu. Como não há hospedagem em Machu Picchu, os turistas se hospedam na charmosa Águas Calientes, uma cidade no estilo peruano-moderno, erguida em meio às montanhas.


Como era o último dia até o destino final da minha empreitada, resolvo gastar o que me sobrou em termos de pernas, e corro o máximo de tempo que consigo, não por pressa, mas pelo prazer do vento soprando na cara. Bons ventos peruanos. Ao longo deste trecho, encontro todos os grupos que conheci ontem, na hospedaria de Santa Teresa, mas não paro para conversar. Estou em lua de mel com a trilha, e não posso ser interrompido.

Ao entrar em Águas Calientes, somado a um gostoso cansaço físico, tenho uma indescritível sensação de gratidão. Gratidão à todas as pessoas que de alguma forma ajudaram e conspiraram para que eu possa concluir meus 88 km (parece pouco, mas há um grande desnível positivo). Sem surpresas, sem lesões. Mas se surpresas se fizessem presentes, eu teria alternativas à elas. Meu planejamento deu certo, incluindo iniciativa, execução e "acabativa". Sem "oba-oba", e com muito pé no chão, e um rigoroso planejamento estratégico. Em se tratando de expedições e travessias, é preciso haver um plano B para tudo. Tudo.


Ressalto que não recomendo que alguém faça o mesmo caminho sozinho, e no pouco tempo que fiz. Sozinho, o risco de se perder é maior, mesmo que a pessoa tenha experiência em navegação cartográfica, pois em muitos trechos a visibilidade é ruim (muita neblina); há um alto grau de exigência física, além das baixas temperaturas e muita chuva. Em caso de acidentes, uma pessoa sozinha precisaria se auto-resgatar, o que não seria muito simples ou mesmo fatal, dependendo da gravidade do acidente. Além disso, creio que ao fazer a travessia em mais de três dias há um aproveitamento contemplativo mais intenso, onde haverá mais tempo para ter um contato ainda mais profundo com os locais e conhecer outros detalhes do caminho, o qual não tenho mais palavras para definir.



Dia seguinte (31/01/2014)
Acordo às 4h da manhã, sem a mínima vontade de andar mais, e decidido a pegar o primeiro ônibus à Machu Picchu, que sairia às 4h30 da manhã. De café tomado, chego na estação terrestre, mas só vejo poucos funcionários da empresa de ônibus sentados.

- Bom dia! Que horas sai o primeiro ônibus para Machu Picchu?
- Extraordinariamente hoje, os ônibus só sairão a partir das 7h da manhã, pois estão quebrados - responde um funcionário.
- Se eu for caminhando, gasto quanto tempo até lá? - pergunto.
- Uma hora e meia.

Olho no meu ticket para entrar em Machu Picchu, e nele há uma informação dizendo que preciso estar lá às 7h em ponto, horário agendado para subir na montanha Huayna Picchu. Bom, não posso esperar o ônibus das 7h: lá vou eu de novo, a pé. No melhor estilo mochilão cru, simples e natural. Como os incas.